Todo dia 15/10 eu sempre escrevo algo por aí. Esse ano, no meio do desgosto pela realidade, achei que não conseguiria… até pensar num caso que me ocorreu. Bora lá…
Lembro de quando eu fiz oitava série e de uma professora querida de história, se afastou duas semanas para fazer uma substituição de direção. Em seu lugar entrou um professor que tinha lá seus 30 anos.
No primeiro dia de aula para a oitava série fervente, o professor entra quieto em sala. A sala ignorou, e ele ainda quieto sentou, abriu uma pasta e começou a ler. Ele tinha acabado de receber um roteiro de aulas que a professora efetiva tinha preparado para as semanas de ausência. Alguns minutos se passaram e logo ele se pôs de pé, e com um vozeirão digno de nota cumprimentou a turma e fez algumas piadas. Sem toda formalidade que esperávamos de um professor, ele começou a falar como se fosse um de nós, e assim ganhou nossa simpatia. Porém, para nosso pesar, ele tinha que falar sobre a matéria que foi dada a ele para passar: Egito antigo. As próximas aulas seriam sobre Egito*. No mesmo instante que ele disse o assunto, também começou a dizer que não gostava muito disso e que não fazia muito sentido gastar todo aquele tempo falando de… História Morta. Ele queria falar de algo que nos ajudasse a entender o agora, que estivesse vivo e que usaríamos. Foi então que ele começou a falar de “mais valia”.
As aulas seguintes ele fez um apanhado histórico sobre a revolução industrial e sobre relações de trabalho. Nunca tínhamos visto tamanha empolgação num professor, e também nunca tinha visto um sala respeitar tanto o professor, mesmo havendo as brincadeiras rotineiras em sala. Talvez porque o professor entrava nas brincadeiras e ainda sim conseguia nos apresentar o que ele tinha em mente, mesclando um pouco de nossas histórias com seus exemplos. Assim as duas semanas se passaram rápido, e na última aula, ao final do período ele se despediu e agradeceu… de forma simples e quase somente gesticular. Eu estava impressionado como ele fora da euforia para o silêncio em segundos… e nos instantes que ele caminhou frente a lousa para a porta de saída da sala eu levantei de supetão da minha carteira (lá no fundo – eu circulava por toda a sala) e comecei a bater palma. Quando o professor já estava com o pé para fora da sala a turma inteira estava aplaudindo e agradecendo o show e aprendizado que tivemos com ele. Já no corredor de fora sob olhares de inspetores e demais funcionários que estavam pro lado de fora e assistiam a cena, virado para sala ele agradeceu novamente. Após isso, nunca mais o vimos.
Muitos anos mais tarde (2015) eu me deparei em meu trabalho com uma ficha de inscrição num processo seletivo de professor com um nome conhecido: Anfrísio. Era o professor substituto da oitava série. O nome peculiar não me deixou com muita dúvida. Achei legal, continuei o trabalho e fiz o cadastro… tinha outras centenas para terminar.
No início desse ano, quando refletia sobre a docência, me veio a cabeça a cena dos aplausos na oitava série, e quase de imediato um sentimento de gratidão pela consciência que tomei naquelas aulas, que me fizeram mais humano e mais ávido a entender a realidade e nossas relações. E como se eu retornasse novamente uns anos atrás, me veio a cabeça o número** que cadastrei em 2015. De pronto anotei e mandei um oi por WhatsApp… porém, como era de se esperar não recebi notícias. Afinal, qual a chance d’eu lembrar o número de cabeça anos depois? Pois bem, poucos dias depois recebo uma mensagem de volta, perguntando-me quem eu era. Expliquei que mandei a mensagem pensando que seria o número do Anfrísio. Então a moça que estava respondendo me disse que era a esposa dele, e perguntou se eu queria falar um pouco com ele.
Nesse dia eu recontei aquele dia da oitava série. E que de certa forma tinha mudado minha vida. Agradeci muito e falamos um cado de nossa vida subsequente a formação do ensino básico.
Foi gratificante e importante para mim tudo isso. Agradeço ao Anfrísio meu professor substituto de duas semanas na oitava serie e a muitos outros que tive depois disso e que eu poderia escrever um livro com diversas histórias edificantes para mim. Podemos fazer diferença sim para os alunos, não se esqueçam disso.
Obrigado e feliz dia dos professores.
* Pros egiptólogos de plantão, eu gosto do Egito e sua história.
** Não foi a única vez que me lembrei de um número de telefone anos depois de tê-lo visto. Já me ocorreu outras (2?) vezes.